CADERNOS DE HISTÓRIA II
2. NOÇÕES SOBRE EPISTEMOLOGIA DA HISTÓRIA
"Epistemologia" quer dizer, etimologicamente,
"discurso (logos) sobre a ciência (episteme). Ainda é usado
para significar "teoria do conhecimento" ou "gnosiologia".
Podemos pois definir "epistemologia" como a teoria
explicativa da produção do conhecimento científico. Todo o conhecimento
científico, pressupõe a existência de um sujeito e de um objecto.
2.1. AS RELACÕES ENTRE O SUJEITO E O OBJECTO
"(...)Tal
como qualquer outra forma de conhecimento, a historiografia pressupõe um
sujeito e um objecto. Mas nem sempre essa relação é algo imediatamente
evidente, como não são também as próprias noções de sujeito e de objecto.
Relativamente ao sujeito, por exemplo, já constitui um serio problema saber o
que é que nele verdadeiramente se conhece: se os sentidos, se a razão. E quanto
a sua autonomia, já vimos como é posta em dúvida, tanto por aqueles para quem o
historiador e um produto da sociedade, como por aqueles para quem o discurso historiográfico procede de lugares
exteriores a pessoa do historiador.
Quando
falamos no sujeito do conhecimento, não é obvio, portanto, que estejamos a
referir-nos a pessoa do historiador. Mas certo é estarmo-nos a referir ao
discurso que através
dele fala e tem a sua origem em duas ordens de problemática que lhe são
exteriores: a problemática social das relações de produção e a problemática
cientifica, dos métodos e das técnicas de investigação histórica.
Posto
isto, é altura de perguntar: será o problema das relações entre o sujeito e o
objecto um problema ultrapassado?". GOMES, 1988:351
Como
sabemos, a abordagem do passado e obviamente impossível. Por isso, recorremos
aos seus vestígios. O historiador observa indirectamente o passado através das
fontes historicas, dos documentos em que o passado permaneceu e na medida em
que esses testemunhos podem ser captados pelo historiador.
Ora,
o conhecimento da realidade social depende do sujeito e do objecto: do sujeito
individual porque ele projecta no objecto as suas afectividades, o seu
inconsciente e consciente; do sujeito colectivo porque o indivíduo age e pensa
num processo de interacção social, porque ao seleccionar, ao triar, ao classificar,
o sujeito integra no seu conhecimento os valores, as ideologias, as memórias
colectivas da sociedade (as condições sociais de produção do conhecimento). O
conhecimento científico é, pois, um processo de construção onde os conceitos,
operando sobre o objecto, analisam-no, interpretam-no.
Assim,
podemos definir epistemologia como o estudo crítico das relações entre o
sujeito e o objecto do conhecimento. Mas, esta definição só ganhará a sua
verdadeira dimensão quando inserida em dois contextos:
a) o contexto histórico, que é, afinal, a dimensão na
qual o pensamento surgiu e se exercitou até conquistar a sua capacidade de
conhecimento actual;
ii) o contexto da psicologia
genética, o único que nos permite acompanhar o processo individual da formação
do conhecimento. Gomes, 1988:352-3.
AS
VÁRIAS CORRENTES SOBRE A RELAÇÃO SUJEITO-OBJECTO NA PRODUCAO DO CONHECIMENTO
HIISTORICO
Segundo
a teoria do conhecimento, o historiador é sujeito do conhecimento e a sua
função consiste em esforçar-se por conhecer e compreender o processo histórico
(objecto do conhecimento).
As perguntas sobre “o que é o
conhecimento?”, as respostas são variadas. Com efeito, o problema que se coloca
acerca da origem do conhecimento e o de saber se tem uma origem exterior ou
interior, relativamente ao sujeito; se procede do mundo exterior, através da
experiencia ou se e devido também a razão; ou, finalmente, se tem também
origem no sujeito, sob a forma de ideias inatas. Portanto, sobre a origem do
conhecimento, existem varias teorias.
.
i) Os
Empiristas defendem que "nada existe no intelecto que não tenha
passado antes pelos sentidos. O espírito da criança era, ao nascer, tal
como uma tábua rasa, onde nada estivesse escrito". Portanto, para os
empiristas, a experiencia era a mãe de todo o saber.
ii)Os
Racionalistas sustentam que "a razão estava em primeiro lugar e que
o conhecimento resultava de uma interacção entre o sujeito e o objecto:
enquanto o objecto fornecia os dados do conhecimento em forma de sensações, à
razão cabia o papel de, através da conceptualização e dos princípios racionais
interpretar tais dados”.
iii) Os Idealistas defendem que "0
conhecimento tem origem no sujeito, sob
aforma de ideias inatas. Assim, para Platão, a criança ao nascer trazia consigo
uma larga bagagem de ideias; para Descartes, a criança já vinha ao mundo com
ideias - ideias inatas em estado potencial."
Uma questão pertinente se 1evanta: qual é a
natureza do conhecimento? Sem pretender desenvolver o assunto, destacar
apenas que o conhecimento tem três níveis: o empírico, o racional e o
científico.
Assim,
dado o carácter controverso das doutrinas filosóficas que abordam a questão da
relação sujeito-objecto, é caso para de novo questionar: que valor tem o
conhecimento?
Permitir-nos-á atingir a verdade? E o que é a verdade? .
São
estas e outras questões que nos permitem reflectir sobre a relatividade do
conhecimento histórico.
2.2.
A VERDA DE HISTORICA: absoluta ou relativa? Objectiva ou subjectiva?
A
RELATIVIDADE DO CONHECIMENTO HISTÓRICO
O
conhecimento histórico e sempre um conhecimento relativo, mais relativo do que
o das ciências exactas, porque:
a) O Historiador tenta explicar,
construir uma visão do passado dos homens, estabelecem uma cadeia coerente no
tempo e no espaço, do presente ao passado, através dos indícios, dos restos do
passado, que permaneceram até ao presente e só quando eles forem captados pelo
espírito do historiador.
O que resulta é sempre uma
perspectiva entre muitas, uma "leitura possível dos documentos. É sempre
uma determinada perspectiva, incompleta procurando ser objectiva, verdadeira;
no entanto, relativa, visto que e impossível a mente humana abarcar na
totalidade as vivencias de milhares de homens que precederam.
b) O historiador selecciona os documentos segundo a
perspectiva em que se coloca: historiador interroga os vestígios do passado
como homem do presente, procura responder as preocupações da sua época. É que
os documentos não falam se não forem interrogados: a tarefa do historiador é
essencialmente colocar questões, problemas, de acordo com essas questões que a
leitura dos documentos e feita.
Por conseguinte, não há certezas definitivas em
história; a verdade histórica é parcial, frágil e relativa, porque é impossível
recriar o passado, pois a visão do passado está sempre condicionada pela
experiencia do presente.
A Historia é, pois, um produto do
presente, uma visão dos vivos sobre o passado que permanece nos vestígios, que
atingiram o presente. Como produto não pode nunca ser desligado da
personalidade, do tempo, do local, do grupo que a produziu. Os historiadores,
homens do presente reflectem nas suas obras as suas preocupações, as suas
opções, a sua ideologia. É esta a subjectividade sempre presente no trabalho do
historiador que explica a relatividade, os limites história como ciência.
Mas não intervêm o espírito do investigador também nas
outras ciências como sujeito,
que conhece, que fabrica o seu
conhecimento? Sem dúvida. Não há qualquer ciência que não tenha maior ou menor
grau de subjectividade. Nega-lo, seria negar o carácter humano do conhecimento.
Os próprios limites da História - a
possibilidade de existir uma pluralidade de perspectivas sobre determinado
problema histórico - e, no entanto, o que também confere a Historia a riqueza
como conhecimento.
Resumo
1- A
história é desafio do indesejável, é o reinado da incontingência.
2- A
lei, ideia "querida" das ciências, é adversária da história: jamais
consegue esgotar o indivíduo, o aleatório, a repentina insinuação das ciências
humanas.
3-A história é a "menos bem estruturada das ciências do
homem".
Mas
acrescentemos:
1- A
história, ciência humana e social, é sociologia, antropologia, geografia,
economia... sem a soma desses ramos do saber.
2-, Mais do que sistema de explicação
do humano e do social, a história é uma síntese louvável das outras ciências do
homem, numa perspectiva multidisciplinar que contempla a análise sincrónica e
diacrónica (permanência e evolução). Nenhuma ciência sabe tão bem como fazer
uso da dialéctica da duração, "dar ao facto humano a sua dimensão no
tempo... colocar os problemas actuais no
seu contexto... proporcionar o sentido da continuidade... desenvolver o
espírito critico e a reflexão... ensinar a relatividade das coisas"
Pierre Salmon
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