QUESTÕES SOBRE COLONIZAÇÃO E TEORIAS DE
RESISTÊNCIA.
1.1. Colonização
No
tempo dos romanos, a colónia era uma exploração agrícola, uma propriedade
rural. A palavra designou em seguida um estabelecimento agrícola ou comercial
instalada num país estrangeiro. Em certas línguas, no castelhano da América
Latina, por exemplo, a colonização conserva ainda o sentido de conquista de novas
terras, com instalação de estabelecimentos agrícolas. Em vez de instalação de
um grupo humano num novo território, a palavra significa hoje a ocupação de um
território estrangeiro por um poder político-militar. O país conquistador
chama-se metrópole e o país conquistado tornase uma colónia. Se houve sempre
colonização, estabelecimento de colonos em países estrangeiros para permitir o
comércio, o facto colonial é um fenómeno moderno de iniciativa essencialmente
europeia que se desenvolveu do século XV até cerca de meados do século XX. Os
sucessos da antiga e moderna colonização devem-se em primeiro lugar a um
progresso das técnicas de navegação (Venezianas, feitorias da Ásia), em seguida
às novas técnicas de. ataque e de defesa. Desde o começo da época industrial,
simultaneamente para se procurar matérias-primas indispensáveis à indústria e
para escoar os produtos manufacturados num mercado alargado. Distinguem-se
diversos tipos de colonização: A colonização de ocupação de novos
territórios, perseguindo ou exterminado os indígenas (colonização de
povoamento); A colonização de exploração: um pequeno número de colonos
sobrepõe-se aos autóctones para a exploração das riquezas do seu país; A colonização
mista: o colonato europeu explora directamente as riquezas, ao mesmo
tempo que certos colonos enquadram os indígenas. O direito à colonização tem
sido defendido por numerosos argumentos, na sua generalidade contestáveis.
Motivos ideológicos e morais, baseados na ideia do "indígena" que
seria necessário educar ou fazer evoluir e na convicção da superioridade moral
da raça branca, legitimaram muitas agressões e opressões. Não se pode dizer,
contudo, que todas as colonizações tenham sido completamente negativas.
Historicamente falando, a colonização foi positiva em diversos aspectos, quanto
mais não seja por ter provocado a tomada de consciência de uma realidade
oprimida. A teoria que justifica a colonização conduziu ao colonialismo, que é
ao mesmo tempo a doutrina e a prática que levam à expansão colonial.
1.2. O COLONIALISMO E O SEU IMPACTO
Sobre
a colonização ou colonialismo em África existem várias interpretações. Para o
nosso estudo, interessam-nos duas:
i)-
Para alguns africanistas como L.H. Gann, Peter Duignam, Margery Perham, a sua
influência foi benéfica e, na pior das hipóteses, não prejudicial para África;
ü)
Para os especialistas africanos, negros e marxistas, e, sobretudo, os teóricos
do desenvolvimento e subdesenvolvimento, o efeito positivo do colonialismo foi
praticamente nulo.
Com
qual das opiniões concordas? Justifica.
Conclusão
Na
realidade, o impacto do colonialismo tanto é positivo como negativo. O que é
preciso salientar é que a maior parte dos efeitos positivos, não é de origem
intencional. Trata-se antes de consequências acidentais ou de medidas
destinadas a defender os interesses dos colonizadores, ou resultantes de
mudanças inerentes ao sistema colonial em si, ou ainda e segundo Ali Mazrui, os
efeitos positivos do colonialismo são "efeitos
por erro, pela lei deferro das consequências indesejadas".
Do
lado negativo, há ainda que assinalar ter havido razões, boas, más ou
indiferentes, pelas quais certas coisas não se realizaram. Portanto, se bem que
o colonialismo tenha sido um simples capítulo de uma longa história, um
episódio ou interlúdio nas múltiplas e diversas experiências dos povos de
África, que em parte alguma do continente durou mais de 80 anos, representou no
entanto, uma fase de extrema importância do ponto de vista político, econórnico
e mesmo social. Assinala uma nítida ruptura na história do continente: o
desenvolvimento posterior deste e, portanto, de sua história foi e continuará a
ser muito influenciado pelo impacto do colonialismo. Hoje, a melhor maneira de
agir, para os dirigentes africanos, não consiste em
apagar
o colonialismo, mas sim em conhecer perfeitamente o seu impacto, a fim de
tentar corrigir-lhe os defeitos e insucessos. BOAHEN, A. Adu. "O Colonialismo na Africa: impacto e
significação" – In História Geral de Africa, Vol VII, pp. 777 -811.
1.3. AS TEORIAS DE RESISTÊNCIA
Qual
foi a atitude dos africanos perante a irrupção do colonialismo, que traz consigo
tão fundamental mutação na natureza das relações existentes entre eles e
europeus nos três últimos séculos?
A
resposta é clara e inequívoca: na sua esmagadora maioria, autoridades e
dirigentes africanos foram profundamente hostis a essa mudança e declararam-se
decididos a manter o seu status quo
e, sobretudo, a assegurar a sua soberania e independência, pelas quais nenhum
deles estava disposto a transigir. Manifestaram a sua determinação em opor-se aos europeus e em defender a sua soberania, a sua religião e o
seu modo de vida tradicional. Sobre as resistências africanas, segundo
T.O.Ranger (1991:69-86), existem três postulados que importa analisar:
i)
Em primeiro lugar, afirmou-se que a resistência africana era importante, já que
provava que os africanos nunca se haviam resignado à pacificação europeia; Na
realidade, todos os tipos de sociedade africana resistiram e a resistência
manifestou-se em quase todas as regiões de penetração europeia. ii) Em segundo
lugar, sugeriu-se que longe de ser desesperada ou ilógica, essa resistência era
muitas vezes movida por ideologias racionais e inovadoras; As resistências
africanas eram movidas por ideologias inovadoras:
a) o princípio da soberania
"O aspecto mais importante do impacto europeu
foi a alienação da soberania. Quando um povo perde a sua soberania, ficando
submetido a outra cultura, perde pelo menos um pouco das sua autoconfiança e
dignidade; perde o direito de se auto-governar; a liberdade de escolher o que
mudar em suá própria cultura ou o que adoptar ou rejeitar da outra cultura"
Ajayi.
Vejamos,
por exemplo, as respostas de alguns resistentes africanos:
Resposta
do chefe yao Matchemba, ao comandante alemão Herman vou Wissmam em 1880:
"Prestei atenção à vossa mensagem sem
encontrar razões para vos obedecer. Prefereria morrer. Não caio a vossos pés
pois sois uma criatura de Deus como eu (. ..). Sou sultão aqui na minha terra.
Vós sois sultão lá na vossa. No entanto, vede, não vos digo que me deveis
obedecer, pois sei que sois um homem livre. Quanto a mim, não irei à vossa
presença; se sois bastante forte, vinde vós me procurar"
Resposta
do Makombe Hanga, Chefe dos Barué, a um visitante branco:
"Estou vendo como os brancos penetram cada
vez mais na África; em todas as partes do meu país as companhias estão em acção
(. ..). É preciso que meu país também: adopte reformas, e estou plenamente
disposto a propociá-las (. ..).Também gostaria de ver boas estradas e boas
linhas férreas (. ..). Mas meus antepassados eram makombe e makombe quero
continuar a ser "
A
ideia de soberania proporcionou evidentemente a base de ideologia da
resistência, com as devidas correcções.
b) A religião:
As doutrinas e símbolos religiosos, regra geral,
apoiavam-se nas questões da soberania e da legitimidade. A legitimidade dos
dirigentes era consagrada por uma investidura ritual e, quando um dirigente e
seu povo decidiam defender sua soberania, apoiavam-se naturalmente nos símbolos
e conceitos religiosos.
iii)
Em terceiro lugar, argumentou-se que os movimentos de resistência não eram
insignificantes; pelo contrário, tiveram consequências importantes, em seu
tempo, e tem ainda hoje, notável ressonância.
1.4. CONSEQUÊNCIAS E RELEVÂNCIA DA
RESISTENCIA AFRICANA
Segundo
RANGER, (1991:80) "há mais de vinte
anos, os movimentos de resistência eram tidos simplesmente como impasses que a
nada levaram. Na última década, porém, tem-se vigorosamente defendido que, por
todos os ângulos, esses movimentos se voltavam para o futuro. Do ponto de vista
da soberania, pode-se afirmar que que eles anteciparam sua reconquista e o
triunfo do nacionalismo africano. Na medida em que são depositários de
ideologias proféticas, pode-se considerar que tenham contribuído para novos grupamentos
em torno de ideias. Alguns trouxeram consigo a melhora da situação de povos
revoltados. Outros instituiram
lideranças alternativas às oficialmente reconhecidas".
O
estudo dos movimentos da resistência não é uma exaltação fútil das glórias do passado,
mas algo que pode contribuir para a elaboração de uma teoria da opressão e da
libertação. RANGER, T.O."Iniciativas
e resistências africanas em face da partilha e da conquista". In
História Geral de África, VoI VII, pp.69-86
1.5. Descolonização
A descolonização
é o processo pelo qual povos colonizados ascedem à independência e adquirem a
soberania nacional. É um fenómeno que se produziu a partir de 1945; é devido em
grande parte à segunda guerra mundial e aos seus efeitos sobre todo o planeta.
Começou na Ásia e estendeu-se seguidamente à quase totalidade da África. As
causas desse processo e as formas que ele toma são diversas, segundo as regiões
e segundo a maneira como se exercera a colonização. Mas, mais fundamentalmente,
o desaparecimento das colónias corresponde a uma força
ideológica
de carácter mundial: o direito dos povos a disporem de si próprios e a
autogovernarem-se.
Contudo,
seria um erro supor que o acesso à independência formal realiza
completamente
a obra de descolonização: é somente uma primeira etapa e a condição prévia de
uma independência real. Subsistem ainda situações "coloniais" que é necessário fazer desaparecer: dominações e
influências
da
ex-metrópole e sobretudo instituições e estruturas sociais internas que
perpetuam a organização da época colonial. A colonização consistia numa
dominação política seguida de uma exploração económica. Na realidade, a
independência quase não muda a situação económica e por vezes até a agrava,
visto que a maioria das antigas colónias são muitas vezes subdesenvolvidas. As
colónias arriscam-se a cair numa nova, dependência de tipo económico, por causa
do seu atraso e do poder mundial, das economias de abundância. O regime
colonial é substituído então por um
novo
tipo de imperialismo económico a que se chama por vezes colonialismo económico.
O problema que se põe é assim o da passagem das lutas pela predominância dos
nacionalismos a uma solidariedade mundial.
2. O COLONIALISMO PORTUGUÊS EM
MOÇAMBIQUE, DE 1890-1930
RECAPITULAÇÃO
No
século XIX, a Europa conhece um novo movimento colonizador. Após uma fase de
certo declíneo, em resultado da independência das colónias da América,
desenvolveu-se uma nova vaga de colonização. De início, orienta-se para o Norte
de África; depois estende-se para a África Negra e para Ásia.
Que
motivos explicam tal movimento?
Lê o
texto:
"Afirmo que esta política colonial assenta em
três ordens de ideias: económicas, humanitárias e patrióticas. Do ponto de
vista económico, porque colónias? A primeira forma foi a que ofereceu um abrigo
e uma fonte de trabalho para os excedentes da população. Mas há outra forma de
colonização: é a que se adapta aos povos que têm excessos de capitais e
excedentes de produtos. Essa é a forma moderna, actual, a mais profunda (...)
As colónias são para os países ricos, um lugar vantajoso para o investimento de
capitais (...). Nesta época, em que as indústrias-europeias estão em crise,
afundação de uma colónia significa a criação de um mercado (...). Senhores, um
outro tipo de ideias é o lado humanitário e colonizador da questão colonial. É
preciso dizer abertamente que as raças superiores têm direito para com as raças
inferiores porque têm o dever de as civilizar (...). Senhores, uma, marinha
como a nossa, não pode existir sem sólidos abrigos, defesas e centros de
abastecimento"- Jules Ferry, "Discours"-1885.
Como
verificas, a nova vaga de colonização explica-se por vários motivos:
a) Económicos
A
Europa, a partir de 1873, atravessa uma fase de dificuldades económicas; os
países industrializados - em plena segunda Revolução Industrial - têm
necessidades de novos territórios que lhes forneçam matérias-primas e absorvam
a produção (mercados); têm necessidade de mãode-obra barata; a população em
crescimento, precisa de encontrar novas fontes de receitas;
b) Políticos
Os
estados europeus, em luta pela supremacia, preocupam-se em ocupar posições
estratégicas; por outro lado, os governos procuram afirmar o prestígio e poder
nacionais e satisfazer a opinião pública;
c)
ideológicos
A ideia de
missão civilizadora, de envagelização, de glória do passado, orienta certos
países; daí certos projectos como os do Magrebe (território do Norte de África,
que actualmente abrange Marrocos, a Argélia e a Tunísia) francês, da ligação do
Cabo ao Cairo (Inglaterra), da ocupação da costa à contra-costa (Portugal). Em
apoio a estes projectos, as Sociedades de Geografia (1875 – Sociedade de
Geografia de Lisboa), as associações coloniais (1876 – Associação Internacional
do Congo) e os grupos missionários estimulam a opinião pública.
A expansão e
anexação de África foi, regra geral, precedida por “viagens de reconhecimento” levadas a cabo por missionários,
aventureiros, etc, com frequência patrocinados por organizações científicas ou
filantrópicas.
Nessas
viagens destacam-se por exemplo: o missionário inglês David Livignstone que,
entre 1840 e 1873, em sucessivas viagens, percorre o curso do rio Zarnheze, o
Lago Niassa e a região do Tanganyica, atingindo as nascentes do rio Zaire;
Stanley, que em 1871 parte de Zanzibar em direcção ao Lago Tanganyica, à
procura de Livingstone, atravessa a África Equatorial, da Costa Oriental
(Zanzibar) à Costa Ocidental(foz do Zaire), entre 1875-1877; Brazza, que em
1873, empreende o reconhecimento da região equatorial da Costa Ocidental
africana, a norte do rio Zaire, de entre outros.
A CONFERENCIA DE BERLIM (1884-1885)
A
disputa do Congo entre a Bélgica e a França conduz à partilha de África. Com
efeito, Leopoldo II da Bélgica, interessado em criar uma colónia em Africa,
envia Stanley a explorar o curso superior do Congo (1874 - 1878). Oni,
paralelamente, a França enviava de Brazza para a mesma região (1875-1878). Daí
um conflito de interesses entre os dois países. Por outro lado, a Alemanha de
Bismarck pretende criar um império colonial. Para isso aproveita a questão do
Congo e promove uma Conferência Internacional em Berlim (1884 - 1885). Os
objectivos desta Conferência eram:
a)
Liberdade de comércio na bacia e na embocadura
do Congo;
b)
Adaptação e aplicação aos rios Niger e Congo dos princípios da Conferência de
Viena, no respeitante à liberdade da navegação em vários rios
intercontinentais;
c)
Estruturação de normas a serem observadas para que as ocupações nas costas de
Africa fossem consideradas efectivas.
Que
resoluções foram tomadas na Conferência de Berlim? Quais os países
participantes?
"Acta Geral elaborada em Berlim
a 26 de Fevereiro de 1885 entre a França, Alemanha, Austria- Hungria, Bélgica,
Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Itália, Países-Baixos,
Portugal, Rússia; Suécia, Noruega e Turquia para regula a liberdade de comércio nas bacias do Congo e
do Níger, bem como as novas ocupações de territórios na costa ocidental de
Africa. ( .. .) Munidos de plenos poderes, discutiram. e adoptaram (. ..):
Art. 1 - O comércio de todas as
nações gozará duma completa liberdade em todos os territórios que constituem a
bacia do Congo e dos seus afluentes.(. ..)
Art. 9 - (. ..) esses territórios
não poderão servir nem de mercado nem de via de trânsito para o tráfico de
escravos de qualquer raça que eles sejam.
Art. 13 - A navegação co Congo é e
continuará a ser inteiramente livre para os navios mercantes. (. ..)
Art. 34- A potência que, de futuro,
tome posse de um território nas costas do contintente africano situado fora das
suas possessões actuais, ou que, não as tendo, venha a adquiri-las, acompanhará
a Acta respectiva duma notificação dirigida às outras potências segnatárias da
mesma Acta.
ArtO 35- As potências signatárias da
presente Acta reconhecem a obrigação de assegurar, nos territórios por elas
ocupados nas costas do continente africano, a existência de uma autoridade
suficiente para fazer respeitar os direitos."
Na
Conferência de Berlim, os direitos do povo africano e as suas reivindicações,
as suas fronteiras, o seu governo, a sua cultura, a sua identidade foram
totalmente ignorados.
A
partilha de Africa pelos vários países europeus foi confirmada, tomando em
consideração o respeito que deveria ser observado em relação às zonas de
influência de cada potência. É exactamente isso que explica em grande medida o
facto de Portugal ter conseguido, após a realização da Conferência, a
conservação para si dos territórios de Moçambique, Angola, etc.
Não é totalmente correcto afirmar que as fronteiras das colônias
africanas foram decididas em Berlim, a sua delimitação começou muito antes e
foi prosseguida depois através de acordos internacionais bilaterais ou
multilaterais, e em alguns casos com o recurso a métodos violentos.
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